Os programas de fidelidade precisam extrapolar o foco nas transações e utilizar as informações para resolver problemas do dia a dia das pessoas, considerando os consumidores na centralidade das ações como sujeitos do processo
Nesses anos acompanhando a evolução dos Programas de Relacionamento com Clientes (CRM) tenho visto uma diversidade de nomenclaturas surgindo a todo momento trazendo novas roupagens para conceitos antigos, mas ainda pouco aplicados e vivenciados na íntegra. Seguindo as tendências tecnológicas que apresentam novos sistemas, recursos e funcionalidades para engajar os clientes e consumidores, esses conceitos e denominações acabam se misturando com as ferramentas.
O fato é que, independente de tratarmos por CRM, Programa de Fidelidade, Programa de Recompensas, Loyalty ou Clubes de Vantagens – que não são exatamente a mesma coisa – a questão é como as empresas estão se relacionando com os seus clientes no tocante a estabelecer uma relação que seja vantajosa para ambos e, mais que isso, que as duas partes queiram estar no relacionamento por desejo e lealdade.
O oferecimento de uma recompensa para a obtenção dos dados dos clientes tornou-se uma moeda de troca comum e cada vez mais banalizada, mesmo em tempos de LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Chamo aqui a atenção para a responsabilidade que as empresas têm quando solicitam um cadastro aos clientes, por menor que seja a quantidade de dados solicitados são informações pessoais fornecidas em busca da promessa de reconhecimento e personalização.
Mas qual é o ganho afinal para o cliente, consumidor, shopper? Descontos, troca por prêmios, sorteios, dinheiro de volta? Sim, uma troca que envolve uma sequência de transações, através das quais podemos conhecer os hábitos de consumo e direcionar ofertas. Essa relação, porém, se torna superficial quando não ultrapassa a esfera transacional, podendo ser facilmente copiada pelo primeiro concorrente que oferecer algo semelhante.
Parece retórica, mas a fidelidade é conquistada, construída e vivenciada dia após dia nas relações e interações diárias do consumidor na loja e em todos os canais de atendimentos. Mas o que se vê na prática revela uma preocupação excessiva com a tecnologia e as experiências no momento da compra para gerar encantamento, e pouco esforço no pós-venda para atender às súplicas das pessoas.
Mais especificamente em boa parte das redes de supermercados quando há um SAC (Serviço de Atendimento aos Clientes) estruturado e em pleno funcionamento, observamos que há muita dificuldade para engajar toda a operação na solução das súplicas em tempo hábil e conforme as expectativas do consumidor. Equipes de atendentes do SAC por vezes pequenas, mas muito empenhadas, lutam para se fazer ouvir e responder às demandas.
O fato é que nós, consumidores, buscamos mais do que consumir produtos compulsivamente, buscamos afeto, atenção, satisfação de desejos e necessidades. Segundo Michael Solomon – um dos maiores teóricos sobre comportamento do consumidor – “…comportamento do consumidor é um processo, contínuo e não se restringe ao que acontece no instante em que um consumidor entrega dinheiro ou apresenta seu cartão de crédito e, em troca, recebe uma mercadoria ou serviço”.
Tenho me esforçado para lembrar, mas sem êxito, quando foi que separamos o CRM do SAC? Como podemos conceber que personalização diz respeito somente às ofertas e não ao atendimento como um todo? O avanço nas propostas de customer experience e omnichannel precisam extrapolar a venda e trazer o consumidor para a centralidade na solução de problemas reais, vivenciados no dia a dia, como sujeito do processo e não como objeto de nossas experiências.
Célia Felipe
Consultora de marketing, formada em comunicação social com MBA em Gestão Comercial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), tem longa trajetória nas áreas de Administração e Marketing, em especial em Gestão do Relacionamento com Clientes (CRM) onde atua há mais de 20 anos. Atua também como designer instrucional, facilitadora e produtora de conteúdos.